segunda-feira, 2 de maio de 2011

Uma divulgação ampla e imparcial da nanociência é um serviço social obrigatório aos centros de nanociência. Um serviço que ainda não está sendo feito.

Um cientista não pode ficar confinado no laboratório; ele trabalha para a sociedade e, sendo assim, um dos seus deveres é informá-la, imparcialmente, acerca do que estuda.

É fato que a nanotecnologia já tomou alguns nichos de mercado. É fato que está chegando um momento no qual consumidores terão, na mesma prateleira, produtos nanotecnológicos e produtos convencionais. O consumidor final – eu, você, minha tia e a sua também – fará escolhas baseadas em sua opinião, a qual não raramente reflete aquela opinião de massa, pulsante na sociedade. Como é criada tal opinião supraindividual? Difícil de responder exatamente. Todos nós temos dúvidas sobre o que consumir, em que acreditar, quem apoiar, onde viver, quem escolher para viver ao nosso lado, etc. Todos desejamos o melhor e, é com este anseio que, geralmente, incorporamos valores provenientes de fontes nas quais confiamos. Seja como for, as opiniões se baseiam de alguma maneira na informação que é despejada caudalosamente sobre nossa sociedade. Não é difícil reconhecer a imprensa como a maior provedora de informações. Ou desinformações.
A mídia exerce um papel que é de extrema relevância na inserção e consolidação de novas tecnologias entre os produtos ao consumidor final. Os organismos geneticamente modificados (OGMs) são os exemplos mais esclarecedores que posso fornecer aqui. No caso dos OGMs, a mídia teve um papel de extrema relevância. O resultado da ação midiática foi péssimo para quem esperava revoluções agrícolas tão necessárias em um mundo com crescente demanda de alimentos. Isso foi feito, muitas vezes, através de uma desconstrução de verdades e da exacerbação da importância de eventos negativos – os quais nem sempre eram fatos cientificamente comprovados. Resultado: todo um debate científico acerca do tema foi sepultado. Os OGMs conseguiram ter sua agenda de debates reestruturada apenas depois de alguns percalços.
Os OGMs caíram, infundadamente, na lista de monstruosidades científicas. A figura acima assusta qualquer um, mas nada mais é do que a desconstrução da verdade. Os OGMs são parte da solução para o sério problema de demanda crescente de alimentos e para a fome em localidades marginalizadas no caminho de progresso do resto do mundo. Tudo tem um lado negativo e um positivo, a discussão racional e imparcial não pode ser substituída pelo grito de quem mistifica a ciência. Pelo menos aqueles que se dizem paladinos da racionalidade, os cientistas, devem tomar partido e defender uma visão mais racional de temas de tamanha importância para a humanidade. Os cientistas devem entrar na mídia, de alguma maneira.
Desta maneira, vale à pena conferir qual o potencial da mídia na formação da opinião do consumidor e sua conseqüente influência sobre o mercado da nanotecnologia. Na área de alimentos esse debate deve esquentar. O interesse em escrever o presente texto surgiu de uma constatação que fiz a partir de pesquisas em sítios de busca de artigos científicos: é grande o interesse de estudiosos em nanotecnologia em saber a opinião pública e o enfoque dado pela mídia ao tema nanotecnologia para alimentos. Nada inesperado. Quando a dúvida se refere à escolha do que iremos pôr à mesa para nossas refeições, o debate dificilmente é pouco acalorado. Basta ver quantos programas daqueles de um único tema jornalístico se prestam aos alimentos.
A nanotecnologia tem se expandido na área de alimentos. Principalmente quando o foco é preservação de alimentos [quem tiver interesse pode se atualizar pela leitura de Kuzma e VerHage, 2006 Nanotechnology in agriculture and food production, Woodrow Wilson International Center for Scholars, Washington, DC (2006)]. A nanotecnologia, como já exposto em alguns dos textos deste blog, é algo do presente. Existem, no mercado, mais de 1000 produtos contendo alguma nanoestrutura (ver mais sobre o inventário de produtos nanotecnológicos). Noventa e oito deles, quase 10% do total, são alimentos. O que se chama nanotecnologia/nanociência de alimentos é a área da tecnologia/ciência de alimentos que se ocupa de melhorias, na escala nano, na estrutura, na textura e na qualidade de gêneros alimentícios, bem como de materiais relacionados aos alimentos (tais como embalagens, preservantes, etc.). Já estão disponíveis, por exemplo, materiais nanoestruturados que indicam quando o alimento está impróprio ao consumo ou nanomateriais que formam filmes sobre frutas e as mantêm livres de oxidação ou contaminação por microorganismos por longo prazo. É com inovações como essas que as nanotecnologias de alimentos devem movimentar, em 2012, estimados US$ 5,8 bi pelo mundo (pela estimativa mais pessimista, visto que a mais otimista diz que foram mais de US$ 20 bi, só em 2010). Com essas expectativas, o interesse do mercado vem crescendo e alguns estudos envolvendo nanotecnologia têm abordado o foco dado pela mídia na área de nanotecnologia. Na área de nanotecnologia de alimentos, particularmente, existem vários estudos realizados (veja a fonte ao final da matéria). Na última década, nos EUA, a nanotecnologia tem sido notícia em alguns principais contextos: oportunidades de negócio, benefícios à saúde e, por outro lado, riscos à saúde e ao meio ambiente.
Porém, mesmo que tenham ocorrido estas abordagens, foi constatado, em um estudo bem recente (ver fonte), que a divulgação de temas relacionados à nanotecnologia em alimentos é bem modesta quanto à freqüência da divulgação, à abrangência das matérias e ao nível de conhecimento que os jornalistas possuem nesse contexto. Isso em uma das mais divulgadas áreas relacionadas à nanotecnologia. Esse estudo mostra, de certa maneira, que existe um déficit de informação em nanotecnologia. É importante que as iniciativas governamentais em nanotecnologia levem em conta essa questão para que os materiais nanoestruturados não sejam inapropriadamente pintados, dentro de alguns anos, como vilões, tal como foram os OGMs. Tudo deve ser discutido dentro dos cânones da racionalidade e do bom senso.

Fonte: A. Dudo, D.-H. Choi and D. A. Scheufele. Food nanotechnology in the news. Coverage patterns and thematic emphases during the last decade. Appetite. 1(56): p.  78-89.

2 comentários:

  1. Ô Luis, se um dia cansar dessa vida de laboratório você bem que podia tentar um futuro como jornalista... excelente texto !! Todos eles por sinal.. só num vou ficar elogiando sempre pra num ficar metido.. eheheh..
    Mas a minha família toda eu tento antenar para o que seria a nanotecnologia pelo seu blog.. continue assim!
    =)
    (Karen Py)

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  2. Que bom que você está gostando, Karen! Espero que continue acompanhando e comentando!

    Abraço!

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