quinta-feira, 31 de março de 2011

Aos nanotecnólogos também interessam as emulsões. A farmácia agradece.

Água e óleo não se misturam. Essa máxima popular nascida na química destes dois componentes é verdadeira, mas temos como fazer as pazes entre eles para que haja um contato muito íntimo entre ambos. Tão íntimo que chegamos a pensar que são, na verdade, um só. Pois bem, chegamos à hora de abrir o tópico de emulsões neste blog. As emulsões são geralmente compostas por água e óleo “apaziguados” por um agente emulsificante, o intermediador do contato entre aqueles dois compostos. Geralmente, um intermediador deve ter afinidade com os dois lados. Deve reunir em si características presentes em ambos, mas as quais não são compartilhadas entre aqueles. O resultado da junção do emulsificante, da água e do óleo, em qualidades e quantidades específicas, é então a emulsão.

Água e óleo.


Macroscopicamente, a olho nu, uma emulsão parece ser homogênea, uma coisa só. Pense no leite, na maionese; são emulsões, não distinguimos seu componente aquoso do oleoso. Porém, se olharmos essas emulsões ao microscópio, vemos algo interessante: são compostas por gotículas minúsculas dispersas no meio líquido externo contínuo. Entre as partículas e o meio líquido contínuo está disposto o emulsificante, o intermediador entre os dois líquidos imiscíveis. O diâmetro destas partículas nas emulsões pode ser de alguns poucos nanometros até alguns micrometros, dependendo de seus constituintes e, principalmente, de como o emulsificante consegue “intermediar” o contato entre os dois líquidos imiscíveis.

As emulsões são objeto de estudo intenso na área de desenvolvimento de medicamentos. Por quê? Nosso organismo é composto, majoritariamente, de água. Nosso sangue, por exemplo, é um meio aquoso. Não seria possível, por exemplo, injetar um óleo na nossa corrente sanguínea; como ele não se mistura com o sangue, ocorreriam problemas sérios (embolia pulmonar é o mais famoso deles) devidos à formação de agregados de óleo, podendo mesmo levar o indivíduo à morte. Mas o problema surge, na verdade, do fato de que boa parte dos fármacos que utilizamos é insolúvel em água – um fármaco não dissolvido não age corretamente ou causa efeitos adversos devidos aos aglomerados que se formam. É para resolver este tipo de problema que as emulsões são utilizadas.
Os fármacos insolúveis em água devem ser solubilizados em meio oleoso? Sim. Dissolve-se o fármaco em óleo. Mas, ao invés de administrar o óleo com o fármaco diretamente na corrente sanguínea do indivíduo, com o auxílio de um emulsificante é feita uma emulsão deste em água. As gotículas minúsculas da emulsão usada como medicamento não são danosas ao organismo e, assim, resolve-se o problema da baixa solubilidade do fármaco em meio aquoso.
Desta maneira, as emulsões são conhecidas pelos farmacêuticos desde há longa data. O que há nelas que interessaria a um nanoblogueiro? Pois bem, temos aprendido com a nanotecnologia que o controle do tamanho das gotículas dentro de uma emulsão pode ser usado para a entrega seletiva de fármacos ao tecido onde se espera que estes ajam ou até mesmo para cruzar barreiras biológicas de outra maneira intransponíveis. O que se ganha com esses eventos? Menos efeitos colaterais (que geralmente são decorrentes da ação do fármaco em tecidos onde este não deveria atuar), mais eficiência (menor dose com um efeito igual ou maior que o obtido convencionalmente).
Por exemplo, sabe-se que a pele é uma barreira fenomenal: bactérias (monstruosas estruturas micrométricas) e mesmo alguns vírus (muitos dos quais são grandes na escala nanométrica) não conseguem ultrapassá-la se ela estiver intacta. E as partículas de emulsões micrométricas? Nem pensar. Isso dificulta a administração de fármacos através da pele, procedimento muito utilizado para tratamento local, por exemplo, de inflamação superficial. Como o tratamento local evita, em grande parte, que o fármaco atinja outros órgãos em quantidade suficiente para que cause danos colaterais, farmacêuticos buscam alternativas para que fármacos possam atravessar eficientemente a pele e atuar no local desejado.

Nanoemulsões (à esquerda) e emulsões convencionais. A diferença física está no tamanho, que faz toda a diferença na aplicação final. Repare, nos frascos, que a emulsão convencional é bem mais opaca que a nanoemulsão.


Pesquisas vêm cada vez mais mostrando que, para fazer com que o fármaco atravesse a pele, as nanoemulsões parecem ser uma das ferramentas mais promissoras, mesmo quando o objetivo final não é apenas a ação local do fármaco. Em um estudo realizado por pesquisadores indianos (referência: Acta Pharm. 57 (2007) 315–332), o anti-inflamatório não-esteroidal celecoxibe foi incorporado em gotículas de óleo menores que 40 nm e administrado sobre a pele do abdômen de ratos. A permeação do celecoxibe pela pele foi 4 vezes maior quando em nanoemulsão em comparação com a formulação não-nanoestruturada. O seu efeito anti-inflamatório na pata do animal, por sua vez, foi quase 2 vezes maior (reduziu o edema em 81%, enquanto o convencional reduziu em apenas 44%). As nanoemulsões têm um potencial adjuvante terapêutico que vem sendo explorado pela indústria farmacêutica e que deve melhorar o resultado obtido em várias terapias.

Fazer com que um fármaco atravesse a pele em quantidades terapeuticamente eficazes é complicado em muitas situações. Nanoemulsões podem resolver este problema.

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