sexta-feira, 18 de março de 2011

O nanolaser e a saga dos limites que existem para serem quebrados

O laser, derivado do primitivo maser (que emite microondas ao invés de luz visível) inventado na década de 50, é hoje um dispositivo barato e disseminado no mercado. Ele está, por exemplo, em drivers de CD/DVD/Blu-ray e apontadores daqueles usados em palestras ou para cegar goleiros. A revolução causada pelo laser dispensa apresentações.

O laser marcou uma era da óptica. Seu nome vem do acrônimo da expressão inglesa Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation, que significa amplificação da luz por emissão estimulada de radiação. Minuto da discórdia: laser continua sendo escrita e pronunciada como uma palavra estrangeira e já deveria, portanto, ter sido transliterada ao português de alguma maneira. Leiser? Laser sem "ei" na pronuncia?

Hoje venho introduzir aqui os recém desenvolvidos nanolasers: os lasers do futuro (,) do presente.
Os dispositivos de laser convencionais que conhecemos hoje em dia são verdadeiros gigantes quando comparados aos dispositivos recentemente desenvolvidos. E só são gigantes porque seu tamanho mínimo foi limitado por um detalhe do seu mecanismo: a reflexão da luz entre dois espelhos.
Se você treme feito um trator no ponto morto ao ouvir falar de física, pode pular os dois próximos parágrafos. Mas eu prometo que tentei usar o mínimo de jargões da área e deixar o texto compreensível no nível do senso comum, que é o objetivo primário deste blog.
Uma passada rápida no mecanismo do dispositivo de laser. Um átomo ou molécula pode absorver determinado tipo de fóton (pacotes de energia dos quais são compostas as radiações eletromagnéticas, tais como a luz visível). Mas, como a energia absorvida não é verba pública, ela não some inexplicavelmente neste processo. O átomo ou a molécula que absorveu a energia torna-se mais energético e instável em relação ao seu estado, digamos, relax (próxima figura abaixo). Esta energia é, portanto, como uma batata quente que eu joguei e você segurou.

O fóton absorvido, representado pela seta curva à esquerda, promove um elétron a um orbital mais energético. É uma verdadeira batata quente que vai ser devolvida como representado à direita.

No laser, existe um material que absorve e emite essa energia, tal como descrito acima. Os átomos deste material são excitados (energizados) por uma luz específica, cuja fonte faz parte do dispositivo de laser (ver a próxima figura abaixo). A maior parte dos átomos torna-se excitada, seguram a batata quente. Quando a luz passa pelos átomos excitados, é induzida a liberação da energia absorvida inicialmente: é esse o estímulo para emissão de radiação, responsável pelo final “SER” da palavra laser e pelo feixe de luz altamente concentrada. (Imagine 100 indivíduos e 100 batatas quentes. Se eles jogarem as batatas quando quiserem, teremos uma chuva desordenada de batatas. Por outro lado, se eles jogarem as batatas só depois de um determinado estímulo, temos um verdadeiro “laser de batatas”....muita batata arremessada a um só tempo! – aiai). Porém, para que esse efeito aconteça, a luz deve ser refletida entre dois espelhos, passando através do material excitável, que emite luz. Um dos espelhos reflete 100% da luz, i.e., funciona como uma parede espelhada através da qual a luz não passa, só é devolvida; o outro reflete boa parte da luz, mas deixa passar um feixe do laser, que é o que vemos na cara do goleiro ou o que incide no CD para a sua leitura.

Diagrama do mecanismo básico do dispositivo de laser convencional. Repare principalmente nos dois espelhos e no fato de que a luz (fótons) vem e vai entre os dois, sendo que apenas uma parte escapa através do espelho semirrefletor, dando a origem ao feixe que vemos saindo de tal dispositivo. O material que é excitado (o que segura as batatas), neste caso, é um cristal de rubi. O tubo luminoso é a fonte de fótons que excita o rubi.

Com o mecanismo acima, o tamanho mínimo do dispositivo de laser é limitado pela distância entre os dois espelhos! Essa distância entre os espelhos é, por sua vez, limitada pela metade do comprimento de onda da luz que é refletida (energia do fóton - coisas da ressonância). Como driblar esse limite? Plasmons! Plasmons são oscilações de plasma; no caso específico do nanolaser, oscilações dos elétrons livres de um metal (prata). Os plasmons podem ser excitados por fótons, tais como os da luz visível, gerando o polariton. Esses polaritons são a base do chamado laser de plasmon, e permitem que o laser seja muitíssimo menor que o convencional, já que as oscilações não ocorrem entre dois espelhos, mas sim na superfície de um metal, com amplitudes nanométricas.
O problema é que uma enorme parte da radiação escapa da cavidade (o correspondente, no metal, ao espaço entre os espelhos do laser convencional) e também que o metal absorve boa parte da energia, tornando esse processo ineficiente demais para ser viável. Uma solução para este problema seria utilizar o metal na temperatura de 10 K (o que impossibilitaria o uso do laser de plasmon em eletrônicos de feira), ou criar uma cavidade minúscula, nanométrica, capaz de confinar a radiação. Foi esta cavidade que pesquisadores obtiveram na University of California, Berkeley (veja o estudo completo em Ma et al., Nat Mater (2010) doi:10.1038/nmat2919).
O dispositivo criado pelos pesquisadores consiste de um bloco ou nanofio de CdS (sulfeto de cádmio, um semicondutor usado para a fabricação de pontos quânticos também) recoberto com uma camada de MgF2 de apenas 5 nm de espessura (!), depositado sobre uma superfície de prata metálica. A camada de MgF2 funciona como o espaçador entre o CdS e a prata, criando assim a cavidade nanométrica para o tão necessário confinamento do polariton. O polariton fica oscilando nessa minúscula cavidade assim como a luz naquele enorme jogo de espelhos do laser convencional. Foi isso que permitiu a criação no nanolaser (veja a próxima figura abaixo). Foi o fim do desperdício de energia que tornava o laser de plasmon inviável.

Nanolaser. O que segura a energia das oscilações de polaritons é o espaço de 5 nm entre o nanofio de CdS e a placa de prata.
(Fonte: nanowerk.com; Xiang Zhang Lab, UC Berkeley)

Segundo os pesquisadores, um aparato de laser com este tamanho nanométrico pode ser aplicado para marcar, caracterizar ou mesmo manipular moléculas isoladamente (tais como o DNA , proteínas, etc.), para nanolitografar (gravar sobre material sólido), para ultra-armazenamento de dados (dispositivos de armazenamento para terabites serão coisas obsoletas como hoje são os de kilobites), para fabricar dispositivos ópticos de telecomunicação muitas vezes mais rápidos que os atuais ou mesmo computadores sem circuitos eletrônicos, e a lista de aplicações só cresce se pararmos para pensar onde o tamanho do laser é importante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário