quinta-feira, 31 de março de 2011

Aos nanotecnólogos também interessam as emulsões. A farmácia agradece.

Água e óleo não se misturam. Essa máxima popular nascida na química destes dois componentes é verdadeira, mas temos como fazer as pazes entre eles para que haja um contato muito íntimo entre ambos. Tão íntimo que chegamos a pensar que são, na verdade, um só. Pois bem, chegamos à hora de abrir o tópico de emulsões neste blog. As emulsões são geralmente compostas por água e óleo “apaziguados” por um agente emulsificante, o intermediador do contato entre aqueles dois compostos. Geralmente, um intermediador deve ter afinidade com os dois lados. Deve reunir em si características presentes em ambos, mas as quais não são compartilhadas entre aqueles. O resultado da junção do emulsificante, da água e do óleo, em qualidades e quantidades específicas, é então a emulsão.

Água e óleo.


Macroscopicamente, a olho nu, uma emulsão parece ser homogênea, uma coisa só. Pense no leite, na maionese; são emulsões, não distinguimos seu componente aquoso do oleoso. Porém, se olharmos essas emulsões ao microscópio, vemos algo interessante: são compostas por gotículas minúsculas dispersas no meio líquido externo contínuo. Entre as partículas e o meio líquido contínuo está disposto o emulsificante, o intermediador entre os dois líquidos imiscíveis. O diâmetro destas partículas nas emulsões pode ser de alguns poucos nanometros até alguns micrometros, dependendo de seus constituintes e, principalmente, de como o emulsificante consegue “intermediar” o contato entre os dois líquidos imiscíveis.

As emulsões são objeto de estudo intenso na área de desenvolvimento de medicamentos. Por quê? Nosso organismo é composto, majoritariamente, de água. Nosso sangue, por exemplo, é um meio aquoso. Não seria possível, por exemplo, injetar um óleo na nossa corrente sanguínea; como ele não se mistura com o sangue, ocorreriam problemas sérios (embolia pulmonar é o mais famoso deles) devidos à formação de agregados de óleo, podendo mesmo levar o indivíduo à morte. Mas o problema surge, na verdade, do fato de que boa parte dos fármacos que utilizamos é insolúvel em água – um fármaco não dissolvido não age corretamente ou causa efeitos adversos devidos aos aglomerados que se formam. É para resolver este tipo de problema que as emulsões são utilizadas.
Os fármacos insolúveis em água devem ser solubilizados em meio oleoso? Sim. Dissolve-se o fármaco em óleo. Mas, ao invés de administrar o óleo com o fármaco diretamente na corrente sanguínea do indivíduo, com o auxílio de um emulsificante é feita uma emulsão deste em água. As gotículas minúsculas da emulsão usada como medicamento não são danosas ao organismo e, assim, resolve-se o problema da baixa solubilidade do fármaco em meio aquoso.
Desta maneira, as emulsões são conhecidas pelos farmacêuticos desde há longa data. O que há nelas que interessaria a um nanoblogueiro? Pois bem, temos aprendido com a nanotecnologia que o controle do tamanho das gotículas dentro de uma emulsão pode ser usado para a entrega seletiva de fármacos ao tecido onde se espera que estes ajam ou até mesmo para cruzar barreiras biológicas de outra maneira intransponíveis. O que se ganha com esses eventos? Menos efeitos colaterais (que geralmente são decorrentes da ação do fármaco em tecidos onde este não deveria atuar), mais eficiência (menor dose com um efeito igual ou maior que o obtido convencionalmente).
Por exemplo, sabe-se que a pele é uma barreira fenomenal: bactérias (monstruosas estruturas micrométricas) e mesmo alguns vírus (muitos dos quais são grandes na escala nanométrica) não conseguem ultrapassá-la se ela estiver intacta. E as partículas de emulsões micrométricas? Nem pensar. Isso dificulta a administração de fármacos através da pele, procedimento muito utilizado para tratamento local, por exemplo, de inflamação superficial. Como o tratamento local evita, em grande parte, que o fármaco atinja outros órgãos em quantidade suficiente para que cause danos colaterais, farmacêuticos buscam alternativas para que fármacos possam atravessar eficientemente a pele e atuar no local desejado.

Nanoemulsões (à esquerda) e emulsões convencionais. A diferença física está no tamanho, que faz toda a diferença na aplicação final. Repare, nos frascos, que a emulsão convencional é bem mais opaca que a nanoemulsão.


Pesquisas vêm cada vez mais mostrando que, para fazer com que o fármaco atravesse a pele, as nanoemulsões parecem ser uma das ferramentas mais promissoras, mesmo quando o objetivo final não é apenas a ação local do fármaco. Em um estudo realizado por pesquisadores indianos (referência: Acta Pharm. 57 (2007) 315–332), o anti-inflamatório não-esteroidal celecoxibe foi incorporado em gotículas de óleo menores que 40 nm e administrado sobre a pele do abdômen de ratos. A permeação do celecoxibe pela pele foi 4 vezes maior quando em nanoemulsão em comparação com a formulação não-nanoestruturada. O seu efeito anti-inflamatório na pata do animal, por sua vez, foi quase 2 vezes maior (reduziu o edema em 81%, enquanto o convencional reduziu em apenas 44%). As nanoemulsões têm um potencial adjuvante terapêutico que vem sendo explorado pela indústria farmacêutica e que deve melhorar o resultado obtido em várias terapias.

Fazer com que um fármaco atravesse a pele em quantidades terapeuticamente eficazes é complicado em muitas situações. Nanoemulsões podem resolver este problema.

segunda-feira, 28 de março de 2011

PEN e o inventário de produtos nanotecnológicos já disponíveis no mercado. Ele não para de crescer.

De acordo com o Projeto sobre Nanotecnologias Emergentes (PEN – do inglês Project on Emerging Nanotechnologies) mais de 1300 produtos com nanotecnologia identificados pelo fabricante entraram no mercado mundial. A mais recente atualização do inventário de 5 anos deste grupo mostra que as nanopartículas estão sendo usadas em muitos produtos, desde antiaderentes para cozinha até itens mais inovadores, como produtos para janelas autolimpantes.

“O uso da nanotecnologia em produtos de consumo continua a crescer rápida e consistentemente”, diz David Rejeski, diretor do PEN. “Quando nós iniciamos o inventário em março de 2006, ele continha apenas 212 produtos. Se a tendência atual continuar, o número de produtos deve atingir 3400 em 2020”.
Os produtos para saúde e fitness continuam a dominar o inventário do PEN, representando 56% dos produtos listados. A maioria dos produtos é baseada em prata nanoestruturada para fins antimicrobianos; ao todo são 313 produtos (24% do inventário) com nanopartículas de prata. O inventário atualizado abrange produtos de 30 países, incluindo EUA, China, Canadá, Alemanha e Índia.
“O objetivo inicial do inventário foi ajudar a educar os consumidores e a encorajar as agências regulatórias a desenvolver a capacidade interna de identificar e rastrear tais produtos. Infortunadamente, conforme mais e mais produtos nanotecnológicos são lançados no mercado, e apesar de 10 anos e bilhões de dólares de investimento através da National Nanotechnology Initiative (Iniciativa National em Nanotecnologia, um colossal programa estadunidense que injeta anualmente bilhões de dólares na área de nanotecnologia – acesse e confira: http://www.nano.gov/), desafios na área regulatória para agências como o FDA (medicamentos e alimentos), o Environmental Protection Agency (meio ambiente) e o Consumer Product Safety Commission (segurança de produtos de consumo) ainda existem”, de acordo com o Dr. Todd Kuiken, pesquisador do PEN.
Com um número sempre crescente de produtos que estão sendo disponibilizados pelo mundo afora, em diferentes países, as estratégias da área regulatória deverão ser mais bem coordenadas.
Você pode acessar o inventário PEN em: http://www.nanotechproject.org/inventories/

quinta-feira, 24 de março de 2011

Escolha seu átomo preferido, agora podemos fotografá-lo

Esquema da estrutura do grafeno. As esferas são átomos de carbono que fazem ligações duplas e simples (todas conjugadas, representadas pelos bastões) apenas com outros átomos de carbono. Essas ligações conjugadas tornam o grafeno, assim como o grafite, um condutor elétrico.
Minuto da discórdia: discordo parcialmente daqueles que consideram o grafeno bidimensional, já que os átomos de carbono são tridimensionais e não há como fazer um material bidimensional a partir de algo tridimensional. Considere, por exemplo, uma folha de papel: ela não é bidimensional, pois possui comprimento, largura e, por menor que seja, uma altura; igualmente, nada composto por átomos pode ser bidimensional. 


O grafeno, dizem os nanocientistas, é o primeiro material bidimensional de que se tem conhecimento. Ele é basicamente uma única folha de vários hexágonos de átomos de carbono conjugados. Desta maneira, o grafeno é um alótropo de carbono, assim como o diamante e o grafite. Aliás, o grafite é composto por várias folhas de grafeno que são unidas por ligações fracas (dipolo induzido, van der Walls). O grafeno é considerado bidimensional por ser como uma folha, com apenas duas dimensões, quais sejam largura e comprimento. Sua aparência microscópica se aproxima daquela dos favos de mel em uma colméia (ver figura acima).

 Assim como acontece com o grafite, o grafeno é um condutor elétrico. Suas propriedades elétricas o colocaram no ringue como um candidato proeminente para dispositivos nanoeletrônicos – a nanoeletrônica será uma evolução da microeletrônica, espere mais uns 5 anos. Porém, suas propriedades elétricas são governadas por um detalhe que assombra: a estrutura da borda da folha de grafeno (ver figura abixo). A estrutura desta borda deverá ser controlada de maneira precisa para que o grafeno possa ser utilizado em nanoeltrônica – nanociência pura! Detalhe: a borda da folha nada mais é do que uma fileira simples de átomos de carbono! Para que você faça idéia, caro navegante, um átomo de carbono está entre menores dos átomos, ele iria para o começo da fila na escola, com certeza: tem apenas 0.154 nm de diâmetro. Dois pontos surgem à cabeça quando falamos que para controlar as propriedades elétricas do grafeno é necessário controlar a estrutura de um amontoado de átomos de carbono na borda da folha: 1) como podemos nós, gigantes como somos, dispor esses átomos da maneira como queremos? 2) como, mais além, podemos verificar a maneira como estes átomos estão dispostos e qual a propriedade elétrica da borda da folha? Duas questões que levantam dificuldades técnicas consideráveis. Para resolvê-las, dá-lhe nanotecnologia! A primeira questão foge ao escopo deste texto, mas será abordada aqui, no futuro. A segunda questão nos traz onde precisamos agora.

Onde mudamos as características elétricas do grafeno: borda. Agora pode-se analisar átomo a átomo nesta área. Fascinante!
(Crédito da figura: Masanori Koshino)

Se de um lado as técnicas de microscopia de alta resolução têm solucionado a questão de descobrir a organização destes átomos, as propriedades eletrônicas da borda ainda estavam lá, escondidas da gente. Para revelá-las seria preciso obter dados espectroscópicos de átomos individuais – algo digno, até então, de Star Wars, pois as técnicas até então disponíveis destruíam o material analisado ou geravam um sinal tão fraco que tornava impossível a análise. Pois bem, acredite, agora fazemos isso sem esses problemas. Cientistas japoneses (para variar) conseguiram tal feito usando a última palavra em óptica eletrônica, um corretor de aberrações (para melhorar o sinal) e trabalhando com baixas voltagens (deixando de destruir a amostra). Esta combinação de artifícios fez com que eles conseguissem uma resolução de apenas 0,0106 nm (muito maior que a necessária para um átomo de carbono). O nome da técnica é “análise de átomos individuais de borda e próximos da borda” (sigla inglesa ELNES).
Agora, dizem os cientistas, será possível controlar e analisar a borda dos grafenos, o que propicia gerar materiais para nanoeletrônica com a propriedade necessária, de acordo com as necessidades. Isso representa, sem dúvidas, uma nova era na área de grafenos. Uma nova era na eletrônica, quem sabe. Uma nova era na modelagem molecular também, possivelmente, já que com esta técnica será possível analisar, átomo por átomo, uma molécula e descobrir as propriedades de seus sítios reativos ali, na bancada de experimentos – uma técnica fenomenal para quem trabalha com a química farmacêutica, área na qual se brinca com as moléculas como se estas fossem peças de Lego®.

Alótropo: substância simples de determinado elemento químico. Diferentes alótropos podem ser obtidos a partir de um único elemento através da modificação da maneira como os átomos interagem entre si.

Nanoeletrônica: ramo da eletrônica na qual os dispositivos utilizados são estruturados na escala nanométrica.

Óptica eletrônica: ramo da eletrônica que lida com feixes de elétrons.

(Fonte: doi: 10.1016/j.nantod.2010.12.005)

quarta-feira, 23 de março de 2011

Ei, você aí de cima, há muito mais para ver e fazer aqui embaixo!

“The principles of physics, as far as I can see, do not speak
against the possibility of maneuvering things atom by atom. It is
not an attempt to violate any laws; it is something, in principle,
that can be done; but in practice, it has not been done because
we are too big.”
Richard P. Feynman

"Os princípios da física, pelo que vejo, não falam contra a
possibilidade de manipular as coisas átomo por átomo. Não
se trata de violar leis; é algo que, em princípio, pode ser feito;
mas, na prática, não tem sido feito porque NÓS somos
grandes demais"
Richard P. Feynman

terça-feira, 22 de março de 2011

Do freezer à fornalha, puxe à vontade!

Manter as propriedades de um material viscoelástico não é fácil. É fácil encontrar exemplos cotidianos de materiais contendo borracha que são danificados por altas ou baixas temperaturas. As borrachas mais simples, como as de látex, muitas vezes são danificadas em temperaturas tão baixas quanto 80 ºC. Hoje em dia, as borrachas de silicone estão entre as mais resistentes do mercado; porém, seus dias de glória estão ameaçados...

Máscara em borracha de silicone.


Cientistas japoneses conseguiram desenvolver uma malha de nanotubos de carbono que tem a viscosidade semelhante à do mel e uma elasticidade semelhante à da borracha. Este material lembra a borracha de silicone, mas com um detalhe interessante que não é observado na última: se mantém elástico em uma ampla faixa de temperatura. Enquanto a borracha de silicone se torna quebradiça e dura abaixo de -55 ºC e se decompõe acima de 300 ºC , a borracha de nanotubos de carbono mantém sua estrutura e viscoelasticidade entre -196 e 1000 ºC.

Uma técnica que permite a obtenção de nanotubos extremamente longos é usada para a fabricação da rede de nanotubos. Milímetros por nanometros na estrutura microscópica da "borracha de nanotubos".
(Esta figura é de um trabalho sobre o método de obtenção e não trata do material viscoelástico deste texto. Ver: Patole et al, 2008, Carbon 46: 1987-93)


Esse material foi sintetizado pela técnica de deposição química a vapor auxiliada por água, uma técnica que permite a síntese de nanotubos bastante longos, de cerca de alguns milímetros de comprimento! (imagine algo com um comprimento cerca de 1 milhão de vezes maior que seu diâmetro...difícil encontrar exemplos macroscópicos). Os nanotubos são arranjados, durante a síntese, como uma malha, uma rede 3D, na qual estes fazem contato uns com os outros em alguns pontos de sua estrutura. Depois desta síntese, o material é comprimido para adquirir a viscoelasticidade. E o segredo de tudo está nesta compressão: é durante ela que a ligação por forças de van der Waals entre os diferentes nanotubos forma um padrão que confere ao material uma capacidade de deformação seguida de retorno à condição inicial.
Um material com esta resistência térmica e esta viscoelasticidade pode ser usado para amenizar vibrações ou absorver fortes impactos em ambientes extremos, desde o espaço com suas baixíssimas temperaturas até fornalhas e caldeiras. Mais informações podem ser obtidas no artigo original do trabalho (M. Xu et al., Science 330 (2010) 1364).

domingo, 20 de março de 2011

Pesquisadores, saiam do armário que o Programa RHAE veio para ficar

O caminho da inovação é o que permite uma industrialização sólida. O governo começa a enxergar isso: Innovation quae sera tamen. (Figura: Microservice)





Pessoal, para quem não conhece, venho aqui apresentar o Programa RHAE (Recursos Humanos para Atividades Estratégicas). Por que cabe este assunto num blog sobre nanotecnologia? Porque a nanotecnologia está exigindo pessoal capacitado para desenvolver pesquisas num nível que, atualmente, só é visto no meio acadêmico ou em grandes empresas multinacionais. No Brasil, particularmente, esse tipo de pesquisa está basicamente restrito às universidades.
Numa época que o Brasil atinge números supreendentes de capacitação de pessoal à pesquisa (veja a matéria da Revista Exame no link ao fim do texto), um fato ainda deixa um certo desânimo em quem anseia ver as inovações tupiniquins tomando o mercado mundial e colocando o Brasil num caminho sólido de industrialização: os nossos doutores (cerca de 10 mil novos a cada ano) ainda estão indo massivamente para as universidades. É esse tipo de profissional que pode levar ao mercado as inovações de ponta como as que a nanotecnologia vem trazendo, mas ele precisa estar empregado por empresas.
O Programa RHAE do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) em parceira com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT), tem por objetivo a inserção de mestres e doutores nas empresas brasileiras. Como esta inserção é promovida? O governo concede a pesquisadores bolsas de até R$ 6000,00 para que atuem em empresas inovadoras. Este programa, juntamente com outras iniciativas do governo, como a Lei do Bem e a Lei da Inovação, está mudando o panorama da inovação no Brasil. O sítio do CNPq contém informações sobre o Programa RHAE, vale a pena conferir (www.cnpq.br).
Veja abaixo os links selecionados para que você possa se situar neste contexto:

 




sexta-feira, 18 de março de 2011

O nanolaser e a saga dos limites que existem para serem quebrados

O laser, derivado do primitivo maser (que emite microondas ao invés de luz visível) inventado na década de 50, é hoje um dispositivo barato e disseminado no mercado. Ele está, por exemplo, em drivers de CD/DVD/Blu-ray e apontadores daqueles usados em palestras ou para cegar goleiros. A revolução causada pelo laser dispensa apresentações.

O laser marcou uma era da óptica. Seu nome vem do acrônimo da expressão inglesa Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation, que significa amplificação da luz por emissão estimulada de radiação. Minuto da discórdia: laser continua sendo escrita e pronunciada como uma palavra estrangeira e já deveria, portanto, ter sido transliterada ao português de alguma maneira. Leiser? Laser sem "ei" na pronuncia?

Hoje venho introduzir aqui os recém desenvolvidos nanolasers: os lasers do futuro (,) do presente.
Os dispositivos de laser convencionais que conhecemos hoje em dia são verdadeiros gigantes quando comparados aos dispositivos recentemente desenvolvidos. E só são gigantes porque seu tamanho mínimo foi limitado por um detalhe do seu mecanismo: a reflexão da luz entre dois espelhos.
Se você treme feito um trator no ponto morto ao ouvir falar de física, pode pular os dois próximos parágrafos. Mas eu prometo que tentei usar o mínimo de jargões da área e deixar o texto compreensível no nível do senso comum, que é o objetivo primário deste blog.
Uma passada rápida no mecanismo do dispositivo de laser. Um átomo ou molécula pode absorver determinado tipo de fóton (pacotes de energia dos quais são compostas as radiações eletromagnéticas, tais como a luz visível). Mas, como a energia absorvida não é verba pública, ela não some inexplicavelmente neste processo. O átomo ou a molécula que absorveu a energia torna-se mais energético e instável em relação ao seu estado, digamos, relax (próxima figura abaixo). Esta energia é, portanto, como uma batata quente que eu joguei e você segurou.

O fóton absorvido, representado pela seta curva à esquerda, promove um elétron a um orbital mais energético. É uma verdadeira batata quente que vai ser devolvida como representado à direita.

No laser, existe um material que absorve e emite essa energia, tal como descrito acima. Os átomos deste material são excitados (energizados) por uma luz específica, cuja fonte faz parte do dispositivo de laser (ver a próxima figura abaixo). A maior parte dos átomos torna-se excitada, seguram a batata quente. Quando a luz passa pelos átomos excitados, é induzida a liberação da energia absorvida inicialmente: é esse o estímulo para emissão de radiação, responsável pelo final “SER” da palavra laser e pelo feixe de luz altamente concentrada. (Imagine 100 indivíduos e 100 batatas quentes. Se eles jogarem as batatas quando quiserem, teremos uma chuva desordenada de batatas. Por outro lado, se eles jogarem as batatas só depois de um determinado estímulo, temos um verdadeiro “laser de batatas”....muita batata arremessada a um só tempo! – aiai). Porém, para que esse efeito aconteça, a luz deve ser refletida entre dois espelhos, passando através do material excitável, que emite luz. Um dos espelhos reflete 100% da luz, i.e., funciona como uma parede espelhada através da qual a luz não passa, só é devolvida; o outro reflete boa parte da luz, mas deixa passar um feixe do laser, que é o que vemos na cara do goleiro ou o que incide no CD para a sua leitura.

Diagrama do mecanismo básico do dispositivo de laser convencional. Repare principalmente nos dois espelhos e no fato de que a luz (fótons) vem e vai entre os dois, sendo que apenas uma parte escapa através do espelho semirrefletor, dando a origem ao feixe que vemos saindo de tal dispositivo. O material que é excitado (o que segura as batatas), neste caso, é um cristal de rubi. O tubo luminoso é a fonte de fótons que excita o rubi.

Com o mecanismo acima, o tamanho mínimo do dispositivo de laser é limitado pela distância entre os dois espelhos! Essa distância entre os espelhos é, por sua vez, limitada pela metade do comprimento de onda da luz que é refletida (energia do fóton - coisas da ressonância). Como driblar esse limite? Plasmons! Plasmons são oscilações de plasma; no caso específico do nanolaser, oscilações dos elétrons livres de um metal (prata). Os plasmons podem ser excitados por fótons, tais como os da luz visível, gerando o polariton. Esses polaritons são a base do chamado laser de plasmon, e permitem que o laser seja muitíssimo menor que o convencional, já que as oscilações não ocorrem entre dois espelhos, mas sim na superfície de um metal, com amplitudes nanométricas.
O problema é que uma enorme parte da radiação escapa da cavidade (o correspondente, no metal, ao espaço entre os espelhos do laser convencional) e também que o metal absorve boa parte da energia, tornando esse processo ineficiente demais para ser viável. Uma solução para este problema seria utilizar o metal na temperatura de 10 K (o que impossibilitaria o uso do laser de plasmon em eletrônicos de feira), ou criar uma cavidade minúscula, nanométrica, capaz de confinar a radiação. Foi esta cavidade que pesquisadores obtiveram na University of California, Berkeley (veja o estudo completo em Ma et al., Nat Mater (2010) doi:10.1038/nmat2919).
O dispositivo criado pelos pesquisadores consiste de um bloco ou nanofio de CdS (sulfeto de cádmio, um semicondutor usado para a fabricação de pontos quânticos também) recoberto com uma camada de MgF2 de apenas 5 nm de espessura (!), depositado sobre uma superfície de prata metálica. A camada de MgF2 funciona como o espaçador entre o CdS e a prata, criando assim a cavidade nanométrica para o tão necessário confinamento do polariton. O polariton fica oscilando nessa minúscula cavidade assim como a luz naquele enorme jogo de espelhos do laser convencional. Foi isso que permitiu a criação no nanolaser (veja a próxima figura abaixo). Foi o fim do desperdício de energia que tornava o laser de plasmon inviável.

Nanolaser. O que segura a energia das oscilações de polaritons é o espaço de 5 nm entre o nanofio de CdS e a placa de prata.
(Fonte: nanowerk.com; Xiang Zhang Lab, UC Berkeley)

Segundo os pesquisadores, um aparato de laser com este tamanho nanométrico pode ser aplicado para marcar, caracterizar ou mesmo manipular moléculas isoladamente (tais como o DNA , proteínas, etc.), para nanolitografar (gravar sobre material sólido), para ultra-armazenamento de dados (dispositivos de armazenamento para terabites serão coisas obsoletas como hoje são os de kilobites), para fabricar dispositivos ópticos de telecomunicação muitas vezes mais rápidos que os atuais ou mesmo computadores sem circuitos eletrônicos, e a lista de aplicações só cresce se pararmos para pensar onde o tamanho do laser é importante.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Dançar como a natureza quer limita os passos, mas não torna a música impossível de ser acompanhada

Minúsculos nanorobôs invadem seu organismo e circulam pelos seus vasos sanguíneos, esquivando-se das monstruosas células vermelhas do seu sangue. Na sua cabeça estes nanorobôs perfuram, com alguma nanoferramenta, as paredes de um vaso sanguíneo e entram no seu órgão central de processamento de dados – o cérebro. Por lá, instalam algum tipo avançadíssimo de nanochip e, com eles, controlam seus pensamentos e acessam suas memórias. Você foi dominado pelo seu invasor sem mesmo o enxergar.


Nanorobôs? Só no Playstation. Ou nos livros de ficção científica.


A ficção científica tem sido palco de verdadeiras obras de arte. Eu mesmo sou um tanto viciado neste tipo de literatura. Não existem limites para a imaginação e ela tem se mostrado muito fértil entre escritores como, por exemplo, o grande Isaac Asimov. Mas será que a nanotecnologia está, na vida real, produzindo tais criaturas assombrosas? Será que estamos sujeitos ao perigo de uma disseminação de nanorrobôs? A resposta é um “não”, dito com convicção. Não mesmo. Na verdade, essas perguntas fazem qualquer cientista da área gargalhar. Mas, seja como for, os atores da opinião pública são, em sua maioria, leigos no assunto e têm todo direito de fazer tais perguntas sem serem considerados desprovidos de inteligência. Num futuro próximo talvez tenhamos uma grande oferta de revolucionários equipamentos baseados em nanoeletrônica (a evolução da microeletrônica), mas nada comparado aos nanorrobôs com os quais ensaiei uma ficção científica no início desta postagem.

O ser humano é parte integrante do ecossistema em inúmeros cantões no mundo. Ele influencia o e é influenciado pelo meio ambiente de maneira intensa e complexa. É melhor tomar cuidado do nosso lar.
 (Foto da midiateca do autor: Ancud, Chile. Natureza pulsante e cidades que não param de crescer.)


Mas, se por um lado não temos o problema dos nanorobôs, por outro lado temos as nanopartículas e os nanotubos. Apesar de não serem, nem de longe, tão amedrontadores quanto os surreais nanorrobôs, estas nanoestruturas devem sempre dar à luz questões relacionadas à sua segurança. Principalmente quando falamos de saúde humana e meio ambiente (na verdade, esses dois temas podem ser incorporados em um só). Na mesma época em que Fukushima é palavra do colóquio cotidiano em qualquer parte do mundo, podemos fazer algumas perguntas. A radiação nociva emitida por radioisótopos é tão invisível a um humano sem equipamentos quanto as nanopartículas. Estamos preparados para conter um “vazamento” de nanopartículas? Estamos preparados mesmo para identificá-las? E se identificadas, podem ser removidas do meio ambiente? A resposta é: assim como cresce sem parar a lista de materiais nanoestruturados disponíveis, cresce a literatura acerca dos modos de torná-los seguros. Na verdade, a preocupação com os potenciais efeitos tóxicos e ambientais de um material nanoestruturado começa antes mesmo deste ser produzido. Dá-se prioridade a materiais atóxicos e biodegradáveis. Os biodegradáveis são aqueles materiais que, quando expostos ao meio ambiente ou administrados a algum organismo, são rapidamente eliminados, gerando produtos que muitas vezes são até mesmo utilizados como substratos energéticos por organismos vivos. Para a administração a humanos, o uso de materiais atóxicos é condição essencial para até mesmo iniciar a sua produção.

Biodegradabilidade e atoxicidade são palavras que não podem escapar aos pensamentos de um nanocientista.
(Carroll e Gunsch, Photonic, 2010. Disponível em: http://www.photonics.com/Article.aspx?AID=44805)


A nanotecnologia gerou materiais totalmente novos mas cujo caminho de eliminação do meio ambiente pode ser o mesmo de vários materiais que existem há milhões de anos. Há apenas de se aproveitar estes caminhos, estes escapes, para que não haja danos ao meio ambiente.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Fumaça congelada em aerogel


Um monolito de aerogel repousa sobre a planta.


Imagine um tubo de 1 metro de raio e 5 quilômetros de comprimento. Você poderia se locomover dentro do tubo, sem dificuldades. Acredito até que muitos presidiários dariam uma fortuna se você passasse tal tubo por debaixo dos muros de suas residências. Agora, voltando ao tubo, reduza-o às medidas de um fio de cabelo – que tem suas dimensões cerca de 20 mil vezes menores em relação ao tubo inicial. Agora, reduza este fio de cabelo numa proporção um pouco maior que a utilizada para reduzir aquele tubo quilométrico:  umas 30 mil vezes. Pois bem, agora chegamos aonde o escopo do blog quer: a escala nanométrica. Bem, na verdade, o comecinho inferior desta escala. Agora, ao invés de cabelos, temos que utilizar como exemplos os nanotubos de carbono (veja a figura abaixo).

Nanotubos de carbono. A) Nanotubo monofolhado. B) Nanotubo multifolhado.
(Hirsch A. F. Angew Chem. 2002;114:1933–1939)


Os nanotubos de carbono são, ao lado das nanopartículas de prata, vedetes do mundo nano. E a fama deles não vem apenas do tamanho, mas é uma combinação deste com a sua dureza e as suas propriedades elétricas, totalmente diferentes das que são obtidas com os derivados de carbono convencionais.
Uma das bolas da vez na área veio da University of Central Florida, dos Estados Unidos. Pesquisadores de lá conseguiram recentemente sintetizar um novo tipo de “fumaça congelada” utilizando nanotubos de carbono multifolhados (nanotubos de carbono contendo, em seu interior oco, nanotubos de carbono adicionais – ver nanotubo B na figura acima). Esta "fumaça congelada" é tecnicamente denominada aerogel. As propriedades deste material são de encher os olhos.

Aerogel de nanotubos de carbono multifolhados visto com microscópio. Um gel nada mais é do que uma estrutura formada pela retenção de um líquido por uma rede tridimensional sólida. A estrutura do aerogel é diferente daquela do gel convencional basicamente pelo fato de o ar substituir o líquido dentro da rede 3D
(fonte: http://www.aerogel.org/?p=945)
Um monolito de aerogel. Baixíssima densidade.
Um tijolo pesando 2,5 kg é suportado por um bloco de aerogel de nanotubos de carbono de apenas 2 g.
(Fonte: www.stardust.jpl.nasa.gov/photo/aerogel.html)

A densidade deste novo aerogel é de 4 mg/ml (CNTP), acredite.  É a menor densidade já atingida para este material. Para que você tenha noção, caro navegante, em relação a este aerogel de nanotubos a densidade da água é cerca de 250 vezes maior, enquanto a densidade do ar atmosférico seco é cerca de apenas 3 vezes menor! Essa baixíssima densidade foi obtida através do aumento da força de interação entre os nanotubos da rede 3D do aerogel. Quanto maior a força desta interação, menor a quantidade de nanotubos necessária para a formação e manutenção da rede tridimensional, e maior a quantidade de espaços vazios (ou melhor, cheios de ar) que pode ser mantida na estrutura.

Qual a serventia deste material? A lista de aplicações não para de crescer. Este material tem potencial para ser utilizado como/em isolante térmico de alto desempenho (figura abaixo), condutor elétrico sensível à pressão (este material pode ser comprimido, repetidas vezes, para 5% do seu volume original e retornar ao volume inicial sem perder sua forma; o interessante é que mudanças em seu volume mudam significativamente a sua condutância elétrica), suporte para catalisadores (imagine a enorme área de contato de um catalisador, disposto sobre os nanotubos, com os substratos de uma reação nesta finíssima rede 3D), bateria de alto desempenho, conversor de energia, etc. A NASA (a agência aeroespacial estadounidense), particularmente, tem financiado muitas pesquisas com os aerogéis, visto que este material tem demonstrado potencial para ser utilizado em diversos equipamentos aeroespaciais.

Aerogéis são excelentes isolantes térmicos, visto que com este tipo de material é possível manter uma enorme quantidade de camadas finíssimas de espaço livre separando o parco material sólido da rede 3D. A condutividade térmica é, portanto, baixíssima.
(Fonte: www.stardust.jpl.nasa.gov/photo/aerogel.html)


Fontes: Zou et al., ACS Nano (2010) 4, 7293. Ver também o sítio www.stardust.jpl.nasa.gov/photo/aerogel.html

quinta-feira, 10 de março de 2011

Para falar fluentemente a língua do sistema imunitário

Você já teve sarampo? Se você tem menos de 15 anos, a chance de eu receber uma resposta afirmativa a esta pergunta é a mesma que tenho de ganhar na Mega-Sena com uma só aposta. Na verdade, se tens 15 anos, eu até te perdoo se nem mesmo souberes que raio é sarampo. Perdoo, porque na primeira metade da década passada eram registradas apenas algumas dezenas ou centenas de casos de sarampo por ano nas Américas – sim! Central, do Sul e do Norte, juntas. Número insuficiente para sustentar noticiários sobre sarampo. Em 2008 foram registrados apenas 2 casos entre americanos! O vírus do sarampo perdeu a guerra contra o nosso sistema imunitário. Mas se hoje ganhamos tão facilmente deste vírus é porque informações valiosas sobre os seus pontos fracos chegaram ao nosso sistema imunitário, aquele incansável e sempre alerta guardião da nossa saúde, antes mesmo que o vírus tivesse a oportunidade de entrar no nosso organismo. O mensageiro que nos forneceu essas informações tem um nome que nada sugere acerca de sua função, mas que de imediato relacionamos a uma proteção, um sossego, de longo prazo: vacina. Sim, sem ela, sem as informações que esta passa ao nosso sistema imunitário, teríamos que entrar numa batalha dolorosa contra o vírus antes de vencer a guerra.
O nome vacina deriva de vaccinia, uma palavra latina que significa “da vaca”, e foi dado pelo inglês Jenner, seu ilustre inventor, em 1796. Naquela época, Jenner conseguiu tornar o seu sobrinho imune à temida varíola humana através da injeção de um preparado de pústulas obtidas de vacas infectadas com o vírus da varíola bovina (recomendo que os interessados se aprofundem nos detalhes desta história, um tanto quanto hilária e controversa). Caro navegante, é difícil fazer idéia da real dimensão da revolução causada por Jenner. Foi a partir da vacina de Jenner que a varíola humana, uma doença terrivelmente contagiosa e altamente letal, foi aniquilada da face da terra em menos de 200 anos. Seu vírus, hoje, é encontrado apenas em dois laboratórios – você pode fazer idéia do porquê disso e, mais além, se eu disser que esse estoque foi mantido por conta da guerra fria, provavelmente você saberá onde estão estes dois laboratórios. Essa revolução nas ciências da saúde fez com que cientistas, como o genial francês Pasteur, dedicassem suas vidas à procura de vacinas para outras doenças. Os sucessos obtidos com as vacinas criadas ao longo de mais de dois séculos depois de Jenner foram fantásticos. Foi visto um rápido decréscimo na incidência de diversas doenças com as quais a humanidade convivia havia milhares de anos.

Paciente com varíola.


Porém, segundo a OMS, mesmo com a existência de diversos tipos de vacinas eficazes, cerca de 9 milhões de crianças morrem todos os anos no mundo por causa de doenças infecciosas, a maioria das quais poderiam ser evitadas pelo uso de uma vacina apropriada. Cerca de 1/3 destas mortes poderiam ser evitadas com o uso de vacinas que já foram desenvolvidas! Ou seja, acredite se puder, 3 milhões de crianças morrem anualmente no mundo por conta da falta de acesso às vacinas que temos – a situação das crianças africanas é especialmente preocupante. Para evitar os outros 6 milhões de mortes, seriam necessárias novas vacinas.
As novas vacinas podem, assim, escrever um futuro, no qual as doenças infecciosas serão uma raridade. Se daqui a algumas décadas a AIDS for uma doença do passado, como a varíola é e como será em breve o sarampo, mais uma vez uma vacina será citada como o mensageiro que nos ajudou a vencer um grande inimigo. Mas o que nos falta para que as novas vacinas que precisamos tanto sejam desenvolvidas? Para responder isto, temos que nos ater à mensagem que deve ser passada ao sistema imunitário. A mensagem deve conter duas informações essenciais: a impressão digital do patógeno (patógeno = agente causador da doença) e, sobre esta, o carimbado dizendo “Inimigo! Combata assim...”. Esta mensagem é reconhecida pelo nosso sistema imunitário, o qual se torna então apto a derrotar o patógeno e evitar que este desenvolva a doença.
A impressão digital do patógeno, à qual se dá o nome de antígeno, é o ponto fraco deste e é onde o nosso sistema imunitário exercerá boa parte de seu ataque. O carimbo de “inimigo”, chamado adjuvante da vacina, funciona como o aval para que o ataque seja exercido e também diz como este ataque deve ser realizado (cada patógeno deve ser atacado de uma maneira específica). Dispomos hoje de um vasto banco de impressões digitais de patógenos. Ainda que este banco seja insuficiente para desenvolver vacinas eficazes contra alguns patógenos, o que mais nos falta hoje, de longe, é a capacidade de carimbar estas impressões digitais adequadamente com a mensagem de “inimigo”.
É neste ponto que a nanotecnologia está prometendo ajudar, e muito. Para as vacinas que não usam o próprio patógeno modificado como carimbo (o que traz vários inconvenientes), hoje em dia dispomos de apenas um carimbo artificial: os sais de alumínio. O problema é que este adjuvante não é apto a carimbar a mensagem de “inimigo” em todos os casos e, mesmo quando consegue, pode induzir o nosso sistema imunitário a combater o patógeno com ferramentas inadequadas. Precisamos de novos adjuvantes, carimbos mais versáteis e eficazes, que passem a mensagem correta ao sistema imunitário.

Lipossomo. Um dos nanoadjuvantes mais estudados.



Foi pensando na escala nano que cientistas desenvolveram diversos novos carimbos. Lipossomos, complexos imunoestimulantes (sigla inglesa ISCOMs), MF59, nanopartículas poliméricas, nanopartículas de fosfato de cálcio e proteossomos são os principais deles. Com o uso destes já foi possível desenvolver protótipos, em nível de pesquisa acadêmica, para vacinas contra diversos vírus, entre eles os da gripe, do herpes (HSV), HIV, etc. Muitos destes novos carimbos chegam a ser dezenas de vezes mais potentes que os sais de alumínio e, mais importante que isso, conseguem transmitir a mensagem correta ao sistema imunitário. As vantagens destes adjuvantes nanoestruturados incluem a apresentação do antígeno (a impressão digital) especificamente às células apresentadoras de antígeno (os destinatários profissionais das mensagens que as vacinas enviam ao sistema imunitário), o reforço controlado da mensagem (quem sabe no futuro essa característica elimine a necessidade do reforço da vacinação que hoje ocorre, por exemplo, com a vacinação contra o HBV – vírus da hepatite B) e a proteção da mensagem contra a sua perda antes da entrega ao destinatário. Além disso, esses adjuvantes nanoestruturados são plataformas versáteis que podem ser moldadas de diversas maneiras para “escrever” a mensagem que precisamos passar ao sistema imunitário com uma riqueza de detalhes muito maior do que hoje é possível com as ferramentas convencionais. Por exemplo, podemos com esses adjuvantes nanoestruturados induzir o sistema imunitário a combater o patógeno em sua porta de entrada (como as mucosas e a pele, por exemplo). Isso é possível porque a superfície destas nanoestruturas pode ser projetada para que estas penetrem no organismo de maneira semelhante ao patógeno, o que na maioria das vezes é essencial para desenvolver imunidade no local de entrada do patógeno. As nanoestruturas também podem acomodar moléculas que deixam a mensagem, digamos, mais clara às células do sistema imunitário. Enfim, o tamanho e a estrutura particulada dos nanoadjuvantes para vacinas estão propiciando falar mais claramente ao sistema imunitário e talvez sejam a solução que precisamos para o desenvolvimento de novas vacinas das quais carecemos hoje.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Nanociência muito além da ciência do nano

As minhas células, as do Tiririca, as suas células, as de uma tiririca, o lenho de uma árvore, os minerais em uma rocha. Todos, sem exceção, têm estruturas na escala nanométrica. Por que não utilizamos, então, o termo nanociência quando nos referimos ao estudo da estrutura cristalina de um mineral contido em uma rocha, ou das estruturas subcelulares de uma planta? Seria apenas por convenção que os geólogos e botânicos, usados nesse exemplo, não são considerados nanocientistas?
Não, nem por convenção nem por acidente. Aqueles não o são porque a nanociência, a lenha da nanotecnologia, vai muito além da simples análise de nanomedidas. Precisamos mais das nanomedidas. Nós, nanocientistas, queremos acima de qualquer coisa o controle destas. A nossa ciência procura respostas através da manipulação CONSCIENTE das estruturas em sua escala nano, uma manipulação que resulta, não raramente, na descoberta de NOVAS PROPRIEDADES EMERGENTES da organização nanométrica de materiais que convencionalmente são utilizados por quem pensa em megas, quilos, milis, micros...
Um exemplo rápido. Pensando em nanoquilates e nanometros podemos obter ouro coloidal, de cor lilás ou vermelha, por exemplo, ao invés do tradicional amarelo (garanto que as mulheres vão dizer que não é amarelo, mas elas que me desculpem pela indelicadeza...). Sim, pode dizer aos seus colegas de bar que existe ouro puro na cor vermelha! Essas cores, que me atrevo a qualificar como "exóticas", são devidas ao tamanho nanométrico das partículas de ouro neste material e, por isso, não são observadas no ouro convencional, que vemos em jóias, por exemplo. O ouro convencional, apesar de possuir estruturas nanométricas, não possui o padrão de ORGANIZAÇÃO nanométrica necessário para que a propriedade emergente discutida aqui - cor vermelha, lilás - seja observada.





Apesar de ser conhecido há milênios, o ouro coloidal foi obtido acidentalmente. Ninguém o projetou com o intuito de obter a cor exótica. E, além disso, não obstante o gênio dos gênios Faraday já ter indicado, há mais de um século e meio, ser o tamanho minúsculo das partículas de ouro o responsável pela cor exótica, não podemos dizer que este foi um nanocientista. A nanociência exige mais que a ciência do nano. A nanociência se apóia em teorias que possibilitam a ESTRUTURAÇÃO CONSCIENTE da matéria na escala nanométrica. É a partir dessa estruturação nanométrica consciente que os nanocientistas, ano após ano, obtêm propriedades emergentes fantásticas em materiais diversos, velhos conhecidos nossos.