quinta-feira, 24 de março de 2011

Escolha seu átomo preferido, agora podemos fotografá-lo

Esquema da estrutura do grafeno. As esferas são átomos de carbono que fazem ligações duplas e simples (todas conjugadas, representadas pelos bastões) apenas com outros átomos de carbono. Essas ligações conjugadas tornam o grafeno, assim como o grafite, um condutor elétrico.
Minuto da discórdia: discordo parcialmente daqueles que consideram o grafeno bidimensional, já que os átomos de carbono são tridimensionais e não há como fazer um material bidimensional a partir de algo tridimensional. Considere, por exemplo, uma folha de papel: ela não é bidimensional, pois possui comprimento, largura e, por menor que seja, uma altura; igualmente, nada composto por átomos pode ser bidimensional. 


O grafeno, dizem os nanocientistas, é o primeiro material bidimensional de que se tem conhecimento. Ele é basicamente uma única folha de vários hexágonos de átomos de carbono conjugados. Desta maneira, o grafeno é um alótropo de carbono, assim como o diamante e o grafite. Aliás, o grafite é composto por várias folhas de grafeno que são unidas por ligações fracas (dipolo induzido, van der Walls). O grafeno é considerado bidimensional por ser como uma folha, com apenas duas dimensões, quais sejam largura e comprimento. Sua aparência microscópica se aproxima daquela dos favos de mel em uma colméia (ver figura acima).

 Assim como acontece com o grafite, o grafeno é um condutor elétrico. Suas propriedades elétricas o colocaram no ringue como um candidato proeminente para dispositivos nanoeletrônicos – a nanoeletrônica será uma evolução da microeletrônica, espere mais uns 5 anos. Porém, suas propriedades elétricas são governadas por um detalhe que assombra: a estrutura da borda da folha de grafeno (ver figura abixo). A estrutura desta borda deverá ser controlada de maneira precisa para que o grafeno possa ser utilizado em nanoeltrônica – nanociência pura! Detalhe: a borda da folha nada mais é do que uma fileira simples de átomos de carbono! Para que você faça idéia, caro navegante, um átomo de carbono está entre menores dos átomos, ele iria para o começo da fila na escola, com certeza: tem apenas 0.154 nm de diâmetro. Dois pontos surgem à cabeça quando falamos que para controlar as propriedades elétricas do grafeno é necessário controlar a estrutura de um amontoado de átomos de carbono na borda da folha: 1) como podemos nós, gigantes como somos, dispor esses átomos da maneira como queremos? 2) como, mais além, podemos verificar a maneira como estes átomos estão dispostos e qual a propriedade elétrica da borda da folha? Duas questões que levantam dificuldades técnicas consideráveis. Para resolvê-las, dá-lhe nanotecnologia! A primeira questão foge ao escopo deste texto, mas será abordada aqui, no futuro. A segunda questão nos traz onde precisamos agora.

Onde mudamos as características elétricas do grafeno: borda. Agora pode-se analisar átomo a átomo nesta área. Fascinante!
(Crédito da figura: Masanori Koshino)

Se de um lado as técnicas de microscopia de alta resolução têm solucionado a questão de descobrir a organização destes átomos, as propriedades eletrônicas da borda ainda estavam lá, escondidas da gente. Para revelá-las seria preciso obter dados espectroscópicos de átomos individuais – algo digno, até então, de Star Wars, pois as técnicas até então disponíveis destruíam o material analisado ou geravam um sinal tão fraco que tornava impossível a análise. Pois bem, acredite, agora fazemos isso sem esses problemas. Cientistas japoneses (para variar) conseguiram tal feito usando a última palavra em óptica eletrônica, um corretor de aberrações (para melhorar o sinal) e trabalhando com baixas voltagens (deixando de destruir a amostra). Esta combinação de artifícios fez com que eles conseguissem uma resolução de apenas 0,0106 nm (muito maior que a necessária para um átomo de carbono). O nome da técnica é “análise de átomos individuais de borda e próximos da borda” (sigla inglesa ELNES).
Agora, dizem os cientistas, será possível controlar e analisar a borda dos grafenos, o que propicia gerar materiais para nanoeletrônica com a propriedade necessária, de acordo com as necessidades. Isso representa, sem dúvidas, uma nova era na área de grafenos. Uma nova era na eletrônica, quem sabe. Uma nova era na modelagem molecular também, possivelmente, já que com esta técnica será possível analisar, átomo por átomo, uma molécula e descobrir as propriedades de seus sítios reativos ali, na bancada de experimentos – uma técnica fenomenal para quem trabalha com a química farmacêutica, área na qual se brinca com as moléculas como se estas fossem peças de Lego®.

Alótropo: substância simples de determinado elemento químico. Diferentes alótropos podem ser obtidos a partir de um único elemento através da modificação da maneira como os átomos interagem entre si.

Nanoeletrônica: ramo da eletrônica na qual os dispositivos utilizados são estruturados na escala nanométrica.

Óptica eletrônica: ramo da eletrônica que lida com feixes de elétrons.

(Fonte: doi: 10.1016/j.nantod.2010.12.005)

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